(Foto: arquivo pessoal)

142.161 mortos no Brasil e a elite de viagem blogueira nacional não está nem aí. 

Não que as influências internacionais estejam de parabéns... Lá ou cá, estão vivendo la vida como se fossem morrer amanhã mesmo.

Nacional ou internacional, a minoria dos blogueiros tem agido com pelo menos o mínimo de responsabilidade social sobre a influência que possui. Aparentemente eles têm vivido num mundo paralelo, sem milhares de mortes diárias e sem isolamento social.

Amazônia e pantanal em chamas e menos de 50 dos mais de 100 blogueiros de viagens mais famosos do Brasil quiseram pelo menos falar sobre isso —inclusive, saudações para o Anderson do 196 sonhos, que foi o primeiro à mostrar a situação do pantanal de perto e com isso influenciou outros blogueiros e influenciadores à irem também—. Querem mais é mostrar o resort que estão hospedado que ganharam a diária da parceria e criar posts sobre quais lugares viajar ainda em 2020 pra gerar engajamento que será revertido em lucro. 

A irresponsabilidade causada por esses maus-influenciadores gerou uma bola de neve de viagens inconsequentes. Não só blogueiros e influenciadores de viagem, mas também celebridades são parte do mau exemplo, entretanto, blogueiros e influenciadores que tem como foco o turismo, deveriam prezar pelo seu instrumento de trabalho: o mundo. Mas estão prezando apenas para o próprio bolso e ego. 

Tem quem não veja problema nesse tipo de conteúdo e o vê como inofensivo, porém a influência da internet na decisão de compra e na mudança de comportamento consumidor é provada cientificamente como sendo imensa e, às vezes, problemática quando a influência é negativa. Deixo aqui alguns artigos científicos linkados para um melhor entendimento desses impactos para quem nunca tirou um tempinho para entender sobre isso: "A Influência do Instagram no cotidiano: Possíveis Impactos do Aplicativo em seus usuários" e "A INFLUÊNCIA DO INSTAGRAM NO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR DEVIAGENS: UMA ANÁLISE DA VOYAGE TURISMO".

Segundo a Phocuswright, empresa de pesquisa no setor de viagens, "32% dos viajantes disseram que fotos e vídeos postados por amigos nas redes sociais são o que mais influencia a decisão de compra deles em relação às suas próximas viagens."

Influenciadores e blogueiros sabem bem que o comportamento que eles mostram influencia parte de seus seguidores. Eles sabem que ao mostrar suas belas fotos e vídeos ao vivo dos lugares paradisíacos que estão nesse momento, dita o comportamento de alguns de seus seguidores quanto à isso. 

Ainda vale lembrar que ao viajar nesse momento, não é apenas a sua saúde que corre risco: hoje, o jornal Valor Econômico publicou um levantamento realizado pela Gol: "Um aeronauta contaminado a cada 1.156 voos". 

Segue também, minha entrevista com a profissional da área do Turismo, a professora Mestre em Hospitalidade e Bacharel em Turismo, Larissa Resende Mário sobre o assunto:


Qual sua visão sobre fazer viagens nesse período durante a pandemia sem haver uma data exata para vacina?
Entendo que o setor de Turismo sofreu um impacto muito negativo com a pandemia, e que levaremos um bom tempo para recuperarmos o prejuízo, porém, ainda acho precoce a realização de viagens em massa neste momento. Sinto falta das empresas privilegiando a comercialização de viagens mais individualizadas, e até mesmo estimulando que as pessoas viagem com veículos próprios, e foquem nas hospedagens afastadas do “burburinho” dos centros das cidades turísticas. Vejo muita especulação e comparação sobre a diminuição de contágio em outros países, mas não podemos esquecer que no Brasil o número de mortes ainda é alto, e muitos estados seguem em alerta.


Como profissional do turismo, qual a sua percepção sobre os impactos que o incentivo por meio dos influenciadores digitais e blogueiros durante a pandemia poderão ter a curto e a longo prazo?
Quanto maior a divulgação de viagens nesse momento, seja por blogueiros ou até mesmo por empresas turísticas, haverá uma percepção por parte generalizada de que tudo está normal, e que já podemos retomar nossas viagens na mesma intensidade de antes. A curto prazo teremos novamente uma elevação do número de contágio, já que ainda não temos uma vacina, e a longo prazo, isso implicará em uma retomada mais lenta das atividades e da recuperação do setor como um todo. Quanto mais as pessoas se descuidarem, mais difícil será retomar as atividades com segurança. Muitas empresas não conseguirão entrar no ano de 2021 com um atendimento reduzido em 60% - 80% de sua capacidade. Isso pode implicar em mais empresas fechando suas portas e consequentemente mais demissões.


Você acha que posts intitulados “Retomada do Turismo”, mostrando o que está aberto ou fechado nos grandes destinos nacionais influencia as pessoas a viajarem ao verem que um certo destino desejado está funcionando, havendo disponibilidade de tempo e dinheiro para tal?
Sim, acredito que influencia muito. Justamente porque dá aquela falsa sensação de que as coisas estão voltando ao normal. Ainda mais, porque já estamos há seis meses nessa quarentena, e as pessoas estão esgotadas mentalmente dessa rotina de isolamento social. As praias lotadas nos primeiros finais de semana ensolarados de setembro já nos mostraram o quanto que as pessoas já não estão se importando ou preocupando mais com o isolamento. Infelizmente, muita gente adota uma postura negacionista e se recusa a seguir os protocolos de biossegurança estabelecidos pela OMS. 

E até mesmo os destinos, acabam contribuindo para essa postura inadequada de enfrentamento da pandemia, porque a maioria tem demonstrado maior preocupação com a questão econômica. Isso ficou muito evidente ao longo da condução dessa pandemia, para muitos, a economia do país é mais relevante do que as milhares de vidas que se foram.


Posts com dicas de como fazer “viagens seguras antes da vacina” têm sido muito procurados por turistas e muito redigidos por blogueiros. Qual sua visão sobre a publicação desse tipo de conteúdo?
No atual momento vejo como uma maneira importante de contribuir para a sensibilização e educação das pessoas quanto a adoção dos protocolos de biossegurança. O desejo de viajar é um fato. Daqui a pouco chega o verão e as pessoas não ficarão em casa. Então não adianta ficar batendo na tecla de que as pessoas são resistentes, precisamos educar as pessoas para serem no mínimo viajantes conscientes. E acredito que existem maneiras muito eficazes de você produzir um conteúdo consciente e de utilidade pública, que além de só despertar o desejo de viajar no leitor, ele possa também conscientizar essa pessoa de que os cuidados para que o vírus não se propague ainda mais depende da atenção de cada um de nós fazendo a nossa parte.


Você acha que blogueiros e influenciadores de viagem deveriam ter responsabilidade social no conteúdo que compartilham publicamente? Por quê?
Claro! Eles trabalham estimulando o consumo de destinos e serviços, precisam sim ter responsabilidade no conteúdo que postam, mas eu observo que muitos influenciadores e blogueiros adotam uma postura meramente comercial, e não se preocupam em refletir sobre os impactos que seus conteúdos podem gerar para aquela localidade em questão.

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